A moralização das concessões de televisão

A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) está disposta a moralizar o processo de renovação de outorgas de canais de comunicação. Embora atuem sob uma concessão do governo federal, várias TVs e rádios do Brasil desobedecem a regras elementares e utilizam os veículos apenas para aumentar lucros e transmitir notícias de acordo com interesses políticos e comerciais de seus donos. Luiza Erundina preside, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, uma subcomissão destinada a analisar os critérios para o setor. Corajosa, ela não teme ser perseguida por grandes veículos de comunicação que sejam contrariados. Ela sabe o risco que corre, mas acredita que também há - na grande imprensa - pessoas sérias e bem-intencionadas acompanhando seu trabalho.

Luíza Erundina ficou nacionalmente conhecida desde que administrou a Prefeitura de São Paulo (naquela época estava no PT). Atualmente, ela exerce seu terceiro mandato como deputada federal do PSB. Nesta entrevista (concedida ao Portal do PSB Nacional), a parlamentar fala sobre o trabalho desenvolvido pela subcomissão e afirma que o advento da TV digital pode aumentar ainda mais a concentração de poder dos meios de comunicação nas mãos do grande capital.

Portal PSB - Como surgiu a idéia de implantar uma subcomissão para discutir critérios para renovação de outorga de concessão de rádios e TVs na Câmara dos Deputados?

Luiza Erundina - Eu estou no meu terceiro mandato e desde o primeiro eu e outros parlamentares ficamos constrangidos em apresentar pareceres sobre outorga ou renovação de rádio e TV, sem ter elementos objetivos para julgar o processo. É constrangedor aprovar ou rejeitar uma concessão sem elementos objetivos para avaliar se a emissora estaria correta em relação ao conteúdo e a aspectos legais. Pensando nisso, entrei com um requerimento para a criação desta subcomissão no ano passado, mas como era ano eleitoral e houve a resistência do ministro das Comunicações em comparecer às audiências destinadas a colher elementos para uma mudança na própria legislação, foi preciso adiar para este ano.

Portal PSB - Como é dividido o trabalho?
Luiza Erundina - Estamos iniciando os trabalhos com a realização de audiências públicas. A primeira delas foi com os representantes das empresas de TV e Rádio comercial. Iremos organizar depois uma audiência com as rádios comunitárias e a terceira, será com as rádios educativas e o Ministério Público. Por último, vamos ouvir o ministro e montar um relatório com as propostas de mudanças. O artigo 223 da Constituição, que diz respeito ao capítulo que trata da comunicação social, precisa ser regulamentado para evitar vazios legais que permitem concessões e outorgas ilegais de veículos. Temos um prazo de 30 a 60 dias para apresentar o primeiro relatório, com os novos critérios. Concluída esta tarefa, vamos investigar as denúncias que estão chegando à subcomissão, como as concessões a deputados e senadores que são explicitamente proibidas na Constituição. Existem também denúncias de várias concessões para o mesmo grupo de pessoas. Há mau uso de concessões comunitárias ou educativas, que acabam se tornando empresas privadas, devido ao fraco mecanismo de fiscalização. Além disso, temos um agravante de que, com a entrada do sistema digital, o espectro de canais vai se multiplicar. Se não tiver um ordenamento para evitar a concentração de outorgas, o poder de uma minoria de pessoas crescerá muito mais neste país. Mas a recém-criada subcomissão está empenhada em fazer valer o que reza a Constituição brasileira, que proíbe o acúmulo de concessões e o uso político das mesmas, entre outras recomendações.

Portal PSB - Muitos políticos são donos de veículos de comunicação. Na própria Comissão de Ciência e Tecnologia, há muitos parlamentares proprietários de rádios e TVs. Os senhores não temem que eles usem este poder para difamá-los ou caluniá-los?
Erundina - Tenho consciência de que haverá resistência. Mas estamos adotando o procedimento de fazer as reuniões da subcomissão sempre públicas e a imprensa tem acompanhado e repercutido o que acontece no trabalho interno. Por enquanto não tem ocorrido uma tentativa de inviabilizar o nosso trabalho, nossa tarefa é apresentar um diagnóstico para corrigir as distorções e isso será acompanhado pela sociedade. Existe uma contradição neste setor: hoje a radiodifusão se faz por TV e rádio, mas a telefonia começa a entrar no mercado. As telefonias são de capitais externos multinacionais, que possuem um poder econômico muito superior às rádios e TVs tradicionais. As empresas de telefonia concentrarão, em um mesmo canal, diversas funções como TV, rádio e Internet.

Portal PSB - Há também a possibilidade de regular o setor, para que o poder de formar opiniões e divulgar a cultura não fique concentrado nas mãos de poucos?

Erundina - Com certeza. Além disso, temos a preocupação de propor uma descentralização, objetivando a regionalização da programação do ponto de vista cultural e de informações. Cada região do país tem características próprias... Existem dois projetos de lei que regulamentam a TV comunitária aberta, pois hoje temos apenas TV comunitária a cabo. São ações que visam contribuir com a democratização da comunicação. Pensando nisso, estamos organizando uma frente parlamentar que cuida da democratização dos meios de comunicação, como espaço político de luta e organização popular. Acredito que esta é uma bandeira estratégica e o PSB deve abraçar esta idéia como política do partido.

Portal PSB - O advento da TV digital pode ser um instrumento de democratização da comunicação, se atender também aos grupos ideologicamente ou economicamente marginalizados pelo grande capital? Ou há risco de o novo sistema ser apenas outro instrumento da classe dominante?
Erundina - Com certeza, pode potencializar a concentração do poder do grande capital. A digitalização é uma nova tecnologia, que avança rapidamente, e isso não acompanha teoricamente a socialização do domínio dessa tecnologia, muito pelo contrário. A digitalização vai aperfeiçoar a exibição da imagem, mas por outro lado como uma tecnologia importada, o Brasil ficará dependente de um modelo que sequer aproveita as pesquisas tecnológicas que o país já acumulou. Esta forma amplia a qualidade de serviços, mas exige muito mais da produção dos conteúdos. Entretanto, se isso não for regulamentado no sentido de distribuir os canais que vão se multiplicar, um canal de hoje será três ou quatro futuramente... Se isso não vier acompanhado de normas e regras legais que distribuam o espaço de maneira mais democrática, fatalmente iremos aumentar o poder destes que já têm o poder concentrado. Esta é uma questão estratégica e até o final do ano o sistema digital será implantado. Precisamos estar vigilantes e mobilizados para nos precaver contra o aumento do poder sobre a informação.

Portal PSB - Grupos políticos contrários à democratização argumentam que uma mudança no setor só serviria para o uso político da comunicação... Embora essa elite use os seus veículos de comunicação para transmitir a "realidade" sob o ponto de vista que lhe interessa. Como a sra. analisa esta contradição?
Erundina - Sempre foi assim, no sistema em que vivemos. As elites econômicas só combatem os privilégios dos outros. Quando são eles os privilegiados, tudo bem... Vemos isso em diversos setores e não apenas na área de comunicação - tanto do ponto de vista local, nacional ou até global. As denúncias de uso político de meios de comunicação estão chegando e, apesar de não ser o objeto desta subcomissão, nós não iremos deixar de lado. Primeiro, vamos procurar respostas para apreciar estes processos e, com uma base mais segura, vamos investigar e corrigir os problemas verificados na Comissão de Ciência e Tecnologia. Esta é uma questão que está na ordem do dia e precisamos lutar pelos interesses do Brasil.

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