Eu não trabalho no Diário, mas já trabalhei no Diário

Estava trabalhando em uma campanha eleitoral em Bauru e recebo um telefonema de Marcos Ferraz e do Pedro Manhães, informando que estavam montando um jornal, junto com Alcides e Sacae Watanabe. Era abril ou maio. Em Bauru cobri alguns acontecimentos, com visita de candidatos, entre eles Lula e Mário Covas e até a campanha de impeachment de Collor. Creio ter sido o primeiro correspondente do jornal. Foram umas poucas matérias. O pagamento seria, como foram, várias e várias cervejas.

Um dia recebi na sede do Sindicato dos Eletricitários uma edição, dessas antes do número dez. Fiquei assustado e pensei: Não agüenta mais um mês. Era uma proposta arrojada e se propunha profissional demais. Até então ninguem havia tentado fazer isso em Botucatu, que tinha seu melhor jornal o semanário “A Cidade” fundado por Sandoval e Marlene Nassa. Foi o primeiro jornal a ter um Conselho Editorial, que reunia a nata empresarial de Botucatu e região. Era um jornal hiperlativo ao ponto de contratar um foto jornalista em Bauru. Era também um jornal que dava inveja na concorrência e isso divertia os sócios. De Bauru vieram outros dois estudantes, que residiam em um “casebre” do Sacae, na Vila Assumpção.

Num dia de folga em Bauru, me lembro de ter acompanhado o fechamento de uma das edições primeiras edições. Davi, Carlos Pedro, Edil... Pedro digitava duas ou três palavras e a lia em voz alta. Era o editorial e vibrava. Queria irritar Jamil Cury em alguma coisa. Marcos estava concentrado na revisão dos textos de prova do jornal e balbuciava alguma coisa concordando. Ambos não paravam de fumar. A sala da diagramação tinha o David com os melhores computadores do momento. Tinha o windows 3, com ambiente gráfico. A redação tinha aqueles PCs 286, com telas monocromática. Haviam cinco computadores na redação. Todos com aquelas telas verde, O programa de edição era o Ventura e o Corel. O editor de texto era de um programinha do sistema operacional DOS, feito pela Ventura, que foi comprada pela Corel [Draw], que não existe mais.

Depois do fechamento, lá pelas duas ou três da manhã, em um bar na avenida D. Lúcio.

- Haroldão não vamos parar. Trisemanal, quadrisemanal... diário. Não estou perdendo meu tempo, dizia Manhães. “Essa cidade precisa de um Diário de verdade, Haroldão”, emendava Marcos. Era engraçado, pois todos estávamos bêbados e de fato sonhávamos com isso.

O tempo passou e o jornal virou diário. Era uma coisa de maluco trabalhar o dia inteiro, fechar o ‘zip’ e mandar os motoristas, “seu” Oscar, ‘seu’ Claudemir levarem à gráfica. Até um herdeiro do Jaú Serve, o Sanzovo, chegou a levar o ‘zip’ da edição às cidades como Marilia, Itu, Sorocaba e Piracicaba, onde foram impressos os jornais. O jornal não tinha seis meses e ganhou um prêmio internacional de qualidade. O prêmio anos depois virou peso de papel em muitos momentos na redação. Hoje nem deve existir mais.

Saíram Marcos, Alcides, Sacae. O rompimento de Pedro com Sacae não foi fácil. Emocionalmente e economicamente para os dois. Se não me engano, Sacae tinha direito a publicidade para o resto da vida, até um limite de centimetragem por edição, ou coisa parecida.... Os dois haviam chegado a um momento de redifinição de metas. O projeto estava ficando pesado demais para os dois. O negócio com quase dois anos teve ponderações de fechamento. Não fechou. Claudia e Pedro passaram noites sem dormir articulando recursos. Pedro chegou a uma idéia: conseguiu vender patrocínios de um jornal que poderia não durar muito tempo. Acreditaram! Esses anunciantes, que não me lembro mais quem eram, apostaram em um ambicioso projeto. Solange Serafim, Stefano, Trovão e Marcelino entram na equipe. Quico Cuter era a jóia da coroa e estava no jornal A Cidade. Um dia ele não resistiu ao convite número dois milhões de Manhães. Teve choro no dia de apresentação de Quico. Solange e o dono do jornal.

A contratação de Sidney Trovão foi uma mega operação com lances de vingança entre os ex-sócios. Do ladro do Correio/Diario Pedro Manhães e do lado do maior concorrente, A Cidade, o editor Marcos Ferraz, ex-sócio.

Um dia PMO – Pedro Manhães de Oliveira-, aparece no jornal, senta-se quase deitando-se na cadeira, acende um cigarro e anuncia:

- “Se o Trovão for homem de palavra, na semana que vem ele vem trabalhar nessa redação. Conversei com ele, trocamos idéias e ele quer trabalhar com a gente”, disse. Trovão é e, era então, um fotografo promissor, talentoso e religioso demais. Ia todos os dias às missas do Santuário Nossa Senhora de Lourdes. Hoje, segundo soube, não é tão assíduo. Já estava fazendo sombra para o mais badalado, em meados dos anos 90 Marcelino Dias. Para ser diário o jornal precisaria de mais um fotografo, com o Marcelino. “Haroldão, podemos não ter o melhor jornal, mas temos os dois melhores fotógrafos” disse algumas vezes Manhães.

Naquela época, por ironia do destino o editor do Jornal A Cidade era o antigo sócio de Manhães, o jornalista Marcos Ferraz. Na semana seguinte apresentava-se ao então editor, acompanhado, se não me engano pelo Pedro e Solange Serafim. Trovão agora é o mais antigo funcionário do Diário. Sidnei Trovão, homem de palavra!

A contratação da jornalista Solange Serafim também foi do mesmo jeito, meses antes. Ela entrou no episódio das denuncias do Gol-Gate. Ela estava chegando a fontes muito próximas da nossa redação e o dono do jornal não pensou duas vezes. “Se estava perto de nossas fontes era boa. Vamos contratar”, topamos!. A denuncia contra um político era uma chance de mostrar a independência editorial do jornal.

Entre idas e vindas fui empregado duas vezes da empresa. Primeiro, na transição da sociedade para a “empresa familiar” [Claudia e Pedro], na função de repórter e depois editor. Depois, em meados dos anos 90, entrei repórter e sai editor, mais uma vez. Eu viro vaga quando viro editor. Na primeira substituindo Marcos Ferraz e depois Carlos Pessoa, que voltou e agora é editor do jornal. Foram tempos de espadas fora das bainhas e dentes serrados com o proprietário do jornal, devido a crise. Faltava papel, faltava salário e chegou a faltar energia elétrica.

Foi nessa época que vivi uma ambigüidade ideológica, ética e moral. Salários atrasados em quase três meses. Tinha repórter que não tinha conseguido receber nem pedindo vales.

- Querem fazer greve, façam!. Me posicionei um dia diante, depois de uma assembléia, onde votei pela greve que não participaria.

Tive de encarar os colegas: um nervoso Sérgio Parada, [meu compadre sempre vive Zangado], Erick Facioli, [que tive de ensinar o caminho da faculdade em Bauru], Douglas Cavallari, [o jovem mais conservador que já conheci] Sidnei Trovão, Edil Gomes Carlos Pedro ‘Bamba’ [os melhores diagramadores que conheço] e Spernega, [meu antigo sócio em uma revista e colega de bagunça no ginásio].

Garanti que não haveriam demissões. Nem precisaria. Não houve nem intenção dos donos do jornal nesse caminho. Fiz um acordo com Spernega e Edil, por trabalho em horas determinadas. Fazia a redação e tinha de fechar o jornal todo dia, antes do dia acabar, no tempo dos grevistas. No segundo dia o Stefano Garzezi passou deixou algumas matérias “para mais tarde dormir tranqüilo”. Entrava, enfiava o disquete no PC, copiava o arquivo no HD, anotava as matérias e ia embora. Parada e Erick fizeram o mesmo na terceira noite. Foram quatro dias de greve e eu furando a greve, trabalhando dia e noite. Tinos agüentou o tranco e o jornal Diário saiu todos os dias, mesmo que com seis páginas, para o desespero de Manhães.

Ex-comunista e ex-petista, este anarquista, graças a Karl Marx, teve a chance de participar de uma greve ‘da minha categoria’, mas não pude, pois tinha compromissos com a circulação e com o tal projeto de Diário. Se o jornal parasse, perderia a credibilidade e daí, nem os três meses de pagamentos viríamos...

Pedro ligava toda hora, por vezes se desculpando e na maioria das vezes falando como um desesperado sobre projetos que estavam em andamento para juntar dinheiro para os pagamentos. Recusou algumas propostas fáceis e outras humilhantes, é bom que se assinale. Certamente seduziu-se por outras. Outra vez conseguiu vender publicidade adiantada e pagou três meses e meio para todos. A Solange tremia contando o dinheiro. “Agora vou pagar meus creminhos, perfuminhos. Finalmente...”, dizia. Meio salário de adiantamento... Era um sinal de que o proprietário não estava brincando. Era o mercado que não estava acostumado a ler um jornal. O Diário está aos poucos dando o gosto da leitura aos botucatuenses.

Um dia chegou a impressora e o tempo estava nublado. Era uma máquina off set, pioneira no setor gráfico na região. Do alto de uma garagem, no fundo da rua Amando, todos acompanham os operários retirando a máquina. Solange, Manhães e Tinos não escondem as lágrimas. Era mais um passo audacioso e pioneiro do jornal.

A contratação de Marcos Tinós foi outro golpe de mestre de Manhães. Ele descobriu o recém casado gráfico, palmeirense fanático que acreditou no projeto, em Jaú. Vivia com os olhos vermelhos. Trabalhava a madrugada inteira e no final da manhã aparecia na redação para ver como tinha ficado o jornal, que olhava, um a um, antes de chegar nas residências dos assinantes. Obviamente dormiu de dar cabeçadas na impressora. Sabe o que é um trabalhador cansado da madrugada de tempos ruins, conseguir dormir no barulho de uma impressora rotaplana! Tinós conseguiu...Na greve virei seu assistente gráfico, junto com o Pedro, [algumas vezes] e confesso também dormi. Tinós não pensou duas vezes e foi pegando o gosto pela cidade. Tive o privilégio de vê-lo duas vezes bravo. Uma quando um calhamaço de papel grudou na tinta [um atraso de quase 1 hora na limpeza e na impressão] e quando o Palmeiras perdeu o título mundial. Fiquei com cara de bobo!!! repetia.

Era preciso uma impressora para consolidar o Diário. Agora são três. São 15 anos e ninguém chega a essa idade, sem desafiar a primeira, segunda, terceira e tantas outras quedas. No momento o Diário adquire uma impressora a cada cinco anos!

Os tombos foram muitos, assim como os desafios. As boas idéias ficam e agregam talentos, como existe atualmente na equipe do Diário. Não sou nem quero ser o melhor amigo de Manhães, mas não é que ele já passou de onde esperávamos que chegasse!

Parabéns aos diretores e principalmente à redação, a alma de um jornal e onde certamente estão, duplamente, escrevendo os fatos da cidade e guardando na memória os bastidores da noticia, para que nos outros 15 anos que se aproximam, tenham algumas palavrinhas para escrever, sobre o, como vivi, sobrevivi e trabalhei no Diário.

Um dia conto como o Diário descobriu o Chupa Cabras em Botucatu.

Comentários

Postagens mais visitadas