Eu já estraguei os planos de FHC

Não há um jornalista que não deseje dar um furo. Dar uma noticia que ninguem estava esperando ou qualquer coisa pela primeira vez, dependendo da situação, é melhor que mulher do jeito que a gente sempre sonhou! Dei vários furos de noticias e tive 'úlcera' por não ter dado centenas de furos, como meus amigos....

Um dos melhores e maiores, foi descobrir o primeiro esconderijo de Fernando Henrique Cardoso, declarado presidente eleito, por volta das 20 horas de um domingo de eleição, em Pardinho. Ele gostou tanto de Pardinho que voltou, ao menos oficialmente, uma segunda vez, em um final de ano, como este. Até sentou-se à mesa de despacho do prefeito, em 2001.

FHC votou nele mesmo e sumiu do mapa, num jatinho desconhecido. Era um final de manhã chuvosa, passava sobre a Cohab I, um jatinho muito baixo, de ensurdecedor barrulho, tanto quanto a emoção daquele rasante.

Alguem lá em cima queria ver as formiguinhas maiores, correndo para as doces urnas. Estava de castigo, cobrindo a eleição na Cohab, distante do burburinho do centrão, por encreca com o diretor da radio, Plínio Paganini, que depois de várias eleições, descobriu que se eu ficasse no estúdio daria pau o dia inteiro em quem estivesse no governo, no caso Itamar e por consequencia FHC. De castigo, entrava no ar quando o PP chamava...

Fazia - fora do ar - disfarçadamente campanha para o Lula-lá [e não esse Lula-Ai], enquanto o jatinho passava; mas fiquei pensando na manobra que não haviam feito; para pousar no aeroporto o avião fez o número oito anti horário e percorreu baixinho a região do nosso centro histórico... De um enorme celular que pesava 350 gramas, liquei ao estudio e pedi ao Nivaldo Ceará, para conferir quem era o milionário que havia 'descido' na cidade.

Ceará conta que ligou e a informação dada, foi de que não era ninguem conhecido, quanto menos o novo presidente da Republica. Isso custou R$ 100,00, conforme apurei anos mais tarde, depois de umas cervejas com um antigo operador do aeroporto e que havia recebido o presidente e sido orientado a não revelar nada. Coube também o primeiro segredo de governo a um aeroportuário de Botucatu.

Passamos o dia, eu e o Ceará, em Botucatu; em Bauru, Sérgio Tibiriça, Marcos Gomide, Celso Pelosi, seu "Ze Luiz' Zana, todos da saudosa TV Modelo; Luiz Malavolta da Folha e Jair Aceituno do Estadão e em São Paulo o Marcelo Bauer da Istoé, discutindo sobre onde havia se escondido o homem. De Bauru veio no meio da tarde, pelo Marcos Gomide, hoje na coordenação de rede da Globo em São Paulo, que ele estava em Jaú e para lá estavam mandando o Lucius de Mello com link e tudo.

A Globo conseguiu ver o FHC em todo o Brasil, inclusive a regional de Bauru. O dia passou e o lugar mais perto, onde estaria o novo presidente, seria na região de Jaú, que para a TV Modelo/Globo seria um doce na batata-doce, pois ali fica um dos maiores entroncamentos de links terrestres de tevê no Estado. Entraria ao vivo para todo o País. A redação toda seria premiada! Acabou certamente acontecendo. Até meu cachê de pauteiro aumentou naquele mês e pela segunda vez na vida o Pelosi falou comigo. A outra vez ele disse 'muito prazer!", ao me conhecer numa reunião qualquer.

Fui para a Rádio, depois de obviamente cravar em Lula-daqueles tempos, juntei os cacos e comecei a apostar que aquele jatinho tinha a ver com o desaparecimento do presidente. Aliás, no final da tarde já tinha gente pesquisando a eventual queda de um avião. Era lógico, afinal, tinha aquela história do Tancredo...

Antes de descobrir o presidente em Pardinho, na Fazenda do Jovelino MIneiro, liguei para dois bem informados em São Paulo. João Carlos Figueiroa, amigo e assessor do José Serra, que se certamente soubesse onde estaria o FHC, me diria sob qualquer condição, inclusive o off; o outro era o Sandoval Nassa, que era assessor de Alberto Goldman, atual vice governador e jornalista bem informado. Sandoval havia ligado até para o futuro Sergião Motta, que só mandou o ex-fundador do jornal A Cidade, apostar que o presidente estaria num local, na região Sudeste.

Figueiroa ouviu dizer alguma coisa relacionada à fazenda de um "tal" de Jovelino Mineiro, ex-aluno e amigo do Fernando [Henriquei Cardoso]. Falamos generalidades sobre as eleições, desliguei e fui ao estudio perguntar ao meu querido chefe Plínio Paganini, se ele conhecia algum Jovelino Mineiro, Baiano, coisa e tal. Com aquela voz anasalada, foi dizendo que o "Jovelino' era casado com a filha do Abreu Sodre e tinha duas fazendas; uma em Rancharia e outra em Pardinho, muito bonita que "se não engano, era do Peduti, ou do Melão".
De volta a redação, listamos todas as fazendas Morro Vermelho, apareceram na região de Assis, Jau e Botucatu. Era umas 18h30 estava chegando à 'nossa' Fazenda "Morro Vermelho", recepcionados por dois enormes e famintos cães da raça Fila e um caseiro desconfiado, sob uma fina garoa. Negou ter escondido o presidente naquela bela sede.

Barro vermelho e escorregadio vencido; Nivaldo Ceará, na redação, havia conversado com o administrador da Fazenda Morro Vermelho de Botucatu, que confirmou conhecer, em Pardinho, o dr Jovelino Mineiro, enquanto terminava meu lanche.

Liguei para a Fazenda de Rancharia fazendo-me passar por um tenente qualquer coisa, da Casa Militar do Palacio e queria falar com o oficial de comando. Mandaram ligar para Pardinho. "Ele deve estar na Fazenda do Dr Jovelino em Botucatu!", afirmou quem atendeu. Em Pardinho, a moça que atendeu o telefone, perguntou pelo tal oficial de comando, tampou o microfone do aparelho e uma voz diferente, dizendo ser o gerente disse não ter nenhum presidente lá. "Como não" retruquei e a voz do gerente chama alguem, que desliga o telefone.

Era um bom indício, mas havia mais alguém. Fião Rocha, atual prefeito da cidade, foi procurado.

- "Fião, como faço para chegar na Fazenda do Jovelino Mineiro?". Ele hesita: "O que voce quer com o dr Jovelino? Ele não gosta de ser incomodado, Haroldinho... acho que já é meio tarde! O meu comunista, o que está acontecendo?". Era menos de 21 horas

"-Fião deixa de me enrolar, voce também esta escondendo o presidente, já sei que ele está na fazenda, agora me ensina chegar lá"

Ele manda esperar um pouco e conversa com alguma pessoa, confirmando o que eu queria saber. Nem esperei ele dizer alguma coisa, desliquei e corri para o Estúdio e anunciei ao Paganini que iria à fazenda.

Pedido negado e o furo fica para o dia seguinte. "Menino vai pra casa e amanhã cedo a gente continua, já são 9 da noite e amanhã ainda tem apuração. Se ele estiver lá, não vai sair, pois lá não tem nem telefone", desdenhou Plinio Paganini.

Entramos no ar e anunciei na rádio F8, que o presidente Fernando Henrique Cardoso estava na região de Botucatu, "contrariando todas as informações, relacionadas à Jau e outros lugares em São Paulo. Estamos ainda confirmando, mas ele está em uma grande fazenda, em uma cidade a menos de 30 quilometros de Botucatu.

De volta à redação, ligo ao Sérgio Tibiriça, que pelo que soube, estaria passando pelo lanche das 21horas e certamente estaria descalço de seus mocassins, coçando os dedos com o outro pé.

-Sergião, o homem está em Pardinho, na fazenda do Jovelino Mineiro que cria um gado que tem nome de banda de rock, Angus-Brangus e Pardo Suiço; ele esta melhorando essa raça; é ex-aluno do FHC e ajudava o Fernando "HC", na Europa na época da ditadura. Pelo que disseram, são socios em alguma coisa. Ele é casado com a filha do ex-goverandor Abreu Sodré.

Do outro lado do telefone um Sergião entusiasmado e cansado. "Ô Gomidão, ouve está historia do camarada haroldinho, lá do condado de Botucatu. Terra de mulher bonita....

Repetida a história para Gomide que confirma para o Zana que pega o telefone e faz um monte de pergunta. Derradeiro o poderoso chefão Celso Pelosi. "O Haroldo, acabei de conversar em São Paulo e tudo leva a crer que estão em Jaú. Estamos aprontando tudo e vamos entrar daqui a pouco. Eu não posso desmobilizar....

- Pelosi, eu já anunciei o FHC aqui na região e insinuei em Pardinho. Tive confirmação, se voce quiser te passo os contatos. Até a PM confirmou sem querer. Tem um monte de gente estranha nos postos da Castelo, conforme andei apurando... Eu coloco o saco nessa história.

- Vamos combinar uma coisa. Seguramos esse assunto até amanhã, pois se ele estiver na região vamos cobrir juntos. Vamos verificar as coisas.

No dia seguinte era pouco mais de 7 da manhã, combinado o momento do inicio da cobertura. A Globo mandou o Lucius bem cedo. Ele havia tentado entrar na fazenda e foi barrado. Começaram a chegar os equipamentos. Parecia que haveria o lançamento de um foguete, na entrada da Fazenda Bela Vista. Era mais de dez horas e não "fechava" o link. Lucius havia confirmado a história todos na redação da TV Modelo e na F8, sabiamos onde estava o presidente.

Começava a querer virar a hora do almoço, quando o velho celular de 350 gramas tocou, via roaming de Piracicaba, uma primeira confirmação e depois outra... Lucius não atendia o telefone, ligamos de um orelhão do bar do Vivan. "Sergião não dá mais para segurar, tem alguem ai na rede que abriu e eu vou dar nome, endereço e tudo mais aqui em Pardinho e para confirmar vou dizer que até o Lucius está aqui e que o link de voces não funciona. Ô Tibira, até o tenente chefão do P2 de Botucatu confirmou que tem ordens para ampliar cuidados e deixar proximo às estradas de acesso à Pardinho, viaturas de prontidão, para agir sob star de alguém do alto comando da PM.!!!

-"Liberou então", sintetizou o jornalista e advogado. E assim foi que aconteceu.

Para falar ao vivo na rádio e confirmar a história e o Plínio Paganini falar de seu conhecimento sobre Abreu Sodre, sobre a antiga fazenda dos Melão e do Sodre. O problema era não ter sinal. O único local que tinha sinal dos pré-históricos telefones celulares, era em cima de um esteio de cerca, na entrada da fazenda. Tres pontos de sinal e foi o toco mais disputado dos dias do FHC na região. Tinha jornalista fazendo bico de voce demorar um pouco mais nas transmissões. Até telefoto foi mandado de cima do toco. Coube a Agencia Estado. Entrei reportei, falei e contei vantagens de como sabiamos de tudo que acontecia na reigão coberta pela radio e aquelas papagaiadas de quem tem um furo desses.

A primeira a ligar pedindo entrada ao vivo foi Telé Cardim da Record SP, depois o pessoal da 94FM de Bauru. Até estava escolhendo a que rádio e jornalista atenderia. Parecia as celebridades do Big Brother. Foram 2 minutos e meio de fama nacional e internacional. Fiz até boletim para a poderosa Voz da America, onde estava o velho amigo Luiz Amaral, que por duas vezes esteve em Botucatu, visitando os jornalistas Parada, Fátima, Patricia, Stefano e o Faccioli.

A medida em que o dia ia avançando sobre a tarde, mais e mais jornalistas chegavam. Depois de Lucius e os respectivos cinegrafistas e operadores técnicos, eu e o Nelson Gonçalves do Jornal da Cidade, de Bauru, começaram a chegar Brito Jr, com o helicóptero da Globo, que captou o presidente dando um sinal nos belos Jardins da fazenda. Pousando no Vivan, jogando para o alto um pó vermelho que demorou a baixar. "Vou te falar,...Que lugar lindo tu tens aqui. Fizemos umas imagens que coloca o presidente em segundo plano. Só tinha visto coisas assim no sul, tchê". Ficamos sabendo que ele era gaucho, um bom piadista e fominha no futebol. Ele e o Kleber Santos, ao menos assim contaram os jornalistas que os conheciam. Ficamos com a fama...

Naquela que seria a segunda noite do presidente brasileiro, hospedado entre as fronteiras de Pardinho e Bofete, mais coisas aconteceram, afinal o presidente estava cercado por irriquietos jornalistas. Nelson Gonçalves e Lucius de Melo tentaram entrar na fazenda e chegar onde nenhum jornalista havia chegado antes, sendo, porem, recebidos a bala. Não entraram nem 400 metros, ficaram no começo do piquete do pasto de entrada da fazenda. Saem no entanto, correndo e tropeçando no capim bem formado. A policia é chamada. Eles negaram a invasão e não souberam explicar os carrapichos que estavam grudados em suas calças sujas de terra e com pequenos rasgões...Justificaram como tropeções por não estarem acostumados com a luz das estrelas daquele outubro.

Na passagem da terceira noite, já haviam mais jornalistas e o fazendeiro já havia estabelecido o armisticio com a imprensa e deliciosos lanchinhos foram recebidos com cartões de agradecimento do presidente.

O presidente havia desembarcado com um netinho, a dona Ruth, alguns assessores e o cidadão generoso dos R$ 100,00, cujo nome a fonte não soube dizer. Das muitas viagens que teve, a primeira foi para Pardinho.

REGIÃO MISTERIOSA
Se fosse pauteiro, usaria o cenário fantástico daquela região, essa história do presidente brincar de esconde esconde com a imprensa; e posteriormente os investimentos de artistas, intelectuais, ex-ministros, o criame de sacis, as onças sucuaranas, os lobos e até os discos voadores, afinal a cuesta é misteriosa.

Lá na fazenda onde o presidente se escondeu, vivem alguns dos touros mais caros do pais, cercados de total conforto, onde se pesquisa deixar a carne semelhante ao do Rubait, ainda mais tenra...Até o autor de Carandiru está trocando as celas de SP pela serra de Botucatu, sem dizer Ana Maria Braga.

Um furo, que se for verdade eu gostaria de ter dado, foi o Lawrence da Arabia ter nascido em Botucatu, conforme atesta a revista Memorias de Botucatu, dando até o endereço: Em Vitoriana. Essa é boa....

Com essas lembranças é que vamos percebendo que isso faz tempo.
[imagens do site sos cuesta]

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