Evangelizadora Cultura FM, já foi roqueira


Pouca gente se lembra, mas a hoje convertida evangélica, rádio Cultura FM, foi pioneira no circuito de rock alternativo-dos mais cabeludos, politizados e cá entre nós, os refinados roqueiros, do bom roquenrol-, fora de midia.

Golpe de Estado, Ira!, Não Religião, Inocentes, Camisa de vênus...; dos mais comerciais, quase todos, nos anos 80 e inicio dos 90. O show do Golpe de Estado e Não Religião, por exemplo foi tão divertidissimo, quanto deficitário.

Plínio Paganini, diretor da Cultura nos chamou e pediu um show para um projeto publicitário da cervejaria Belco, para fixar a marca na rapaziada.

"PP" - como o dono da radio, Plínio Paganini era chamado pelo Renato Carrá, Tom Martins, Zé Valin, eu, Nilson Roberto e o Marcos Ratinho,- "tem umas bandas que são legais, mas o senhor, por ser conservador e comedor de hóstias, não vai gostar", disse brincando e provocando, como relacionava 'amistosamente' com o chefe. Eram os tempos do Vitrine Viva, inspirado no Ira!


- "Que tem a ver o rock com minhas idéias?", perguntou PP.

Renato Albino "Carrá", agronomo, advogado, radialista, produtor cultura e agora cantor de banda brega Creme Rinse, entrou no tom:

[wander wildner - quase um alcoolatra]
- "O senhor, nem a Belco, iriam trazer ou patrocinar, bandas como Golpe de Estado...; pelo que sabemos o senhor andou apoiando a ditadura dos golpistas de 64, e o que dirá então se dissermos que a outra sugestão é Não Religião", afirmou Carrá, de 'carrapato", seu nome de bixo na FCA.

- "Puta que pariu! porra!" [PP xingava todos que na intimidade gostava. Quer coisa mais intima que mandar o cara a puta que pariu e dirigir-lhe como filho da puta!?], esbravejou. Ficou a idéia de que o show nunca aconteceria.

-"O seu comunistinha de merda. Escreve uma idéia que faça vender cerveja, que nós vamos é fazer esse show. Mas agora eu pergunto a voces: que cervejaria vai patrocinar um show de golpe de estado, não religião? D.Zioni e D. Antonio [arcebispos] brigarão comigo e pensem" - continuava sua argumentação - "se voces fizessem cerveja, iriam querer associar umas bandas demoniacas como essas, certamente é tudo gente maconheira, cabeludos e não devem tomar banho...."

-"Ah Plínio! Cerveja é a primeira droga que um roqueiro leva à boca, uma bebida alcoolica aqui e uma erva depois", emendou, no limite da tolerancia do PP, o falecido Tom Martins, que não está mais aqui para desmentir.

Tom Martins estava tão entusiasmado com a idéia, que pela primeira vez, não dormiu durante a reunião. Tom Martins antes de virar lider sindicalista dos professores do Estado e morrer sem avisar ninguém, era produtor de rádio e um dos produtores do finado e saudoso Vitrine Viva. Toda reunião ele dormia. Ele dormia até ouvindo AC/DC, a mais barulhenta das bandas de rock. Pergunte ao Valin que vivia acordando o coitado! Sempre assutando, muitas vezes na base da bombinha...

[Golpe de Estado e Ira!]

- "Escreve o projeto e vamos ver se eles patrocinam? encurtou a conversa. Geralmente essas reuniões com a 'mulecada" da Cultura eram feitos às 18 horas, para que todos, empregados e patrões, tivéssemos motivos para não chegar cedo em casa. Era a hora em que todos íamos discutir o dia com o lider Paganini

Encurtando a história, a Belco aceitou patrocinar metade do show, mas com o dinheiro proposto, propositalmente Carra, eu, Tom e Valin, inflacionamos tanto o valor do espetáculo, que dava para contratar Golpe de Estado e Não Religião. Era trocar uma tampinha da cerveja pela metade do ingresso. Foram mais de mil trocadas, mas só umas 500 foram ao show.

Uma coisa é certa. Os roqueiros de antigamente certamente bebiam pinga, pois não tinha mais que 500 pessoas no gigante da baixada, o ginásio da Ferroviária. Nossa idéia era de que umas 3 mil pessoas iriam ver o show.

Metade era composto por cabeludos e pinguços de Botucatu. A outra parte veio de ônibus de São Paulo e Bauru, compostos por fã clube das bandas. Até com caravana tinha umas 500 pessoas!

"Cara não liga não. Pra tocar nosso roquenrol, cantamos até para 10 pessoas", animou-nos os vocalistas do Não Religião Tatola e o Helcio Aguirra, guitarrista do Golpe.


[Não Religião]
Não dava para cancelar e a radio Cultura aceitou as perdas, o espetáculo foi confirmado em cima da hora. Apesar de PP erstar com aquela cara de que na segunda-feira o 'tratamento' de "fdp" seria verdadeiro, estava ele vermelho, mas acreditem, ele bebeu cerveja conosco e até fez pose de roqueiro, tipo meio de joelhos dobradas e como se estivesse peneirando de um lado ao outro. PP dançou roquenrol e no bolso.

Não havia público, a cervejaria teve prejuizo, a radio teve prejuizo, mas o show deu mídia, a antiga Rede Globo Oeste Paulista ou TV Modelo, não lembro mais, cobriu, deu minutos de reportagem, a revista Brigade, especializada nesse nicho de musica, dedicou páginas e a vida rolou...

O show foi tão espetacular que até a concorrência, a Rádio Clube FM, dedicou cobertura ao vivo naquele sábado chuvoso, com o Fernando Carmelo, outro roqueiro das antigas e da radio concorrente, amigo do Tatola, seu colega na rádio rock 89 FM-SP, ao entrar ao vivo e convidando o público, que não foi ao show, naquele dia chuvoso. Ou melhor, apenas os bons roqueiros foram!

Toneladas de som, luz, PP dançando, a diretoria da AAF sem entender o barulho e um monte de PM na porta do clube, por causa da musica, 'nem polícia, nem bandido', uma alusão sobre os maus policiais que se escondem sob a insígnia de policial.

O problema não era os PM. O problema eram aqueles roqueiros maconheiros nos bastidores do show. Nem todos eram maconheiros. O PP ficou tão bravo com a PM encarando e querendo aumentar o seu prejuizo, que ligou para o comandante e o show aconteceu, apesar da musica. O PP enervado, vermelho e bravo!

Não deixamos que o dono-diretor da radio fosse aos bastidores. Ele pagou a banda no meio do espetáculo. Enquanto saia o Não Religião e entrava o Golpe. Ele soube depois, o que de fato aconteceu, longe de seus olhos...."Nunca mais voces me pegam", prometeu.

Durante semanas, aqueles roqueiros que tiveram medo de uma chuvinha que destelhou algumas casas e deixou a cidade no escuro, horas antes do show, lamentavam a perda.

[algumas bandas divulgadas pela antiga Cultura FM]
Tatola e sua banda eram os nossos preferidos, pela provocação religiosa, com quase um CD inteiro de musicas refletindo sobre o uso da fé nos negocios privados e vice versa com pastores e padres negocistas e dizimistas. Golpe de Estado tinha um som mais pesado e denso, canções ecologicas, amorosas, engajadas e politizadas; Não Religião era mais moleque, mais anarquista, descompromissada e com uma batida mais ''inglesa''

[Wander Wildner - Jesus Voltará]

Antes de cair nos braços da igreja Senhor Edir Universal de Macedo do Reino dos Ceus e sua Rede Aleluia, quando criança, nossa 93,1 mhz a Cultura FM era roqueira. Agora caminha nos braços do Senhor, sem Rock, dizem agora, movendo montanhas, secando mares e provocando dilúvios e milagres, como no passado, fazendo shows inesqueciveis....


[Inocentes, intolerancia]

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