Comentário a respeito de John


[deixa pra lá, cartola, leci brandão]

Em um tempo de desrespeito à palavra 'esquerda', associado à transformação social, aos que usam olhos à direita e esquerda.

Uma pequena resenha de um livro, de Norberto Bobbio, considerado um dos maiores pensadores da atualidade.

A leitura desse 'livreto' vale aos vitoriosos e aos derrotados eleitoralmente, para que nunca se esqueçam, que obras não são beneficios de quem detem o poder, mas conquista de quem não as tem.


A ESQUERDA E A DIREITA

'A Díade Sobrevivente'
por Alexandre Aranha
'Norberto Bobbio (†09/01/2004) era, sem dúvida, um dos mais respeitados pensadores da atualidade. Nascido em Torino, na Itália, em 1909, dedicou 40 anos à docência universitária e à discussão abrangente de diversas áreas: da filosofia do direito à ética, da filosofia política à história das idéias, sem esquecer dos grandes debates contemporâneos, analisados por ele sempre com elegância e coerência filosófica.

Não se é indiferente a Bobbio. Citado, criticado, aclamado, seja por seu ecletismo, por ele mesmo assumido como “uma forma de analisar a situação por todos os lados”, seja por sua linha moderada de ação política (liberal-socialismo). Certo é que o pensador é passagem obrigatória para se iniciar qualquer discussão, principalmente se o assunto for política atual.


[baden powell, o astronauta]

Neste livro (Direita e Esquerda. Razões e Significados de uma Distinção Política), escrito num momento de efervescência política – durante as eleições para renovação da Câmara dos Deputados na Itália, em 1994 – Bobbio identifica os problemas relativos à sobrevivência da díade direita-esquerda e seus desdobramentos, reafirmando sua validade num mundo dito pós-moderno. Esta obra conduz o pensador a mais uma de suas polêmicas quando, em síntese, afirma que a distinção fundamental sobrevive na “diversa postura que os homens organizados em sociedade assumem diante do ideal de igualdade”.

Bobbio vai ao centro das definições - não se atendo simplesmente aos debates que tentam implodir ou reafirmar a importância da díade no mundo atual – analisando na raiz o significado de cada termo e o que o identifica. Como é possível alegar que estas ou aquelas práticas são de direita ou esquerda? Existe realmente o chamado “centro”? Para Bobbio, a existência do “centro” só faz reafirmar os extremos.

Desmitifica a esquerda mostrando que esta não é sinônimo apenas de marxismo, demonstrando a existência de uma esquerda capitalista, derrubando uma das críticas mais agudas à sobrevivência da díade: que esta caíra junto com o Muro de Berlim e a URSS. Lembra também que esquerda e direita não podem ser tratadas como ideologias; são mais que isso: são programas opostos referentes a uma série de problemas, cuja solução pertence ao campo da política. Para o filósofo, o fim da díade pregado hoje, não é englobante, mas sim uma eliminação de tudo o que direita e esquerda já representaram e continuam representando.

Outra crítica decisiva derrubada por Bobbio é a de que a distinção seria mera falácia; os programas teriam se tornado absolutamente iguais. É para desmentir esta afirmação que o filósofo vai adotar um método impensável: marcar a semelhança entre os extremistas.

Este será um importante passo para sua argumentação de que ambos podem usar, até mesmo, caminhos idênticos para a realização de seus programas. As semelhanças não param nas linhas de ação, podendo chegar até às matrizes teóricas, como Antonio Gramsci, por exemplo, pensador italiano marxista que também inspirou alguns setores fascistas.


[tim maia, gostava tanto de voce]

A partir do capítulo 3, Bobbio passa a analisar as argumentações de pensadores contemporâneos prós e contras, resgatando o que restou da díade e ponderando sobre suas afirmativas. Porém, é nos capítulos 5 e 6 que chegará às conclusões mais decisivas: mostra que os “meios” podem variar, até tornarem-se comuns, mas haverá diferença na finalidade das ações; também há diferenças essenciais e não-essenciais – as segundas podem sofrer rearranjos durante o processo. O mais importante é encarar direita e esquerda como conceitos relativos, não como absolutos ou ontológicos; são lugares do espaço político: “não se é de direita e de esquerda como se diz comunista ou liberal”.

Por fim, a esquerda exalta mais o que faz os homens iguais, a direita, o contrário, vê a desigualdade como uma lei ineliminável da natureza, saudável para o desenvolvimento social. Neste ponto é que Bobbio defende a idéia principal do livro: “a esquerda tem tendência igualitária e a direita inigualitária”. Por trás de todo o argumento sobre esta afirmação, o filósofo mostra que a questão é bem complexa, pois em última instância, ambas preocupam-se com o bem da sociedade.

Dez anos se passaram e o livro de Bobbio continua atual. O único ponto (não diria fraco) que pode oferecer alguma dificuldade é a citação de autores e personalidades do cenário europeu, principalmente italiano, que podem ser desconhecidos ao público brasileiro. Porém, quem conhece Bobbio sabe que o filósofo dispensa delongas nas apresentações. Direita e Esquerda. Razões e Significados de uma Distinção Política é um livro pequeno, de linguagem fácil sem deixar de ser denso. Não há restrição quanto à áreas de interesse.

O livro foi, inclusive, escrito para a população italiana que, à época, buscava orientação eleitoral, perdida entre tantos programas aparentemente iguais. Qualquer semelhança à realidade brasileira não é mera coincidência. Num país onde os partidos são ideologicamente fracos e escondem suas propostas (programas) atrás de discursos falsamente sociais, as eleições ao muitas vezes definidas pela cara do candidato, por seu terno fino, sorriso mais branco e hálito puro. Por isso o livro de Bobbio não tem final; porque o autor quer deixar clara a contemporaneidade da discussão. Direita e esquerda é um debate aberto, em construção permanente. A facilidade do autor em ser didático é mais uma das características que fazem do livro leitura urgente, fundamentalmente neste ano eleitoral, para compreensão e participação dos e nos tempos democráticos. Sem extremismos, sem malabarismos.

BOBBIO, Norberto; Direita e Esquerda. Razões e Significados de uma Distinção Política. São Paulo: Editora da UNESP, 1995.'
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[for the birds, pixar studios]
versão infantil - gudu dada sobre direita e esquerda, com um tucano no meio]

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