Obituário: Morre a professora Cecilia Magaldi

A professora emérita da Faculdade de Medicina, Cecilia Magaldi, faleceu no último dia 29. Uma oficial e respeitosa nota de falecimento informava que ela era médica infectologista, uma das fundadoras (na verdade uma das idealizadoras) do Centro de Saúde Escola, que recebeu denominação de um falecido ex-motorista da Faculdade de Medicina.

Ela cursou medicina na USP e se formou, em 1951, começando carreira universitária na 1ª Clinica Médica do HCUSP e na Clinica de Doenças Tropicais e Infecciosas.

Acrescenta a biografia, foi Regente de medicina preventiva, social e saúde pública da então Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB). Ela implantou o Departamento de Saúde Pública e suas disciplinas. Em 1975, tornou-se professora livre-docente em epidemiologia.

Além de defender a autonomia universitária e a ampliação da assistência médico-sanitária, instalou e coordenou a Unidade Sanitária do Lageado - a primeira fora dos muros da FCMBB, que possibilitou o treinamento dos estudantes de medicina nas áreas de saúde pública, clínica médica, moléstias infecciosas e pediatria. Realizou, também, o primeiro inquérito domiciliar sobre as condições de saúde em Botucatu, com participação dos alunos da graduação em medicina.

Esse trabalho descobriu na periferia, doenças como sífilis em crianças, algumas vitimas de abusos sexuais e até um acampamento de trabalhadores no corte de madeira, em Anhembi, em situação escrava. A denuncia atraiu a atenção da grande mídia.

A professora Cecília foi secretária municipal de Saúde de Botucatu por duas gestões sucessivas, cargo no qual assinou importantes convênios.

No início dos anos 80 começa pelo Jardim Peabiru, a futura rede básica de saúde em Botucatu, com a instalação de oito novas unidades, dando assim os primeiros passos para a municipalização da Saúde.

Quando iria acrescentar a dimensão da cidadã que na madrugada do dia 29 decidiu ver o que poderia fazer para ajudar do outro lado, parou. Ela teve uma vida social e política extremamente importante na cidade, que contribuiu com a mudança de modos e costumes, na provinciana Botucatu.

Ela foi uma das fundadoras do Movimento Democrático Brasileiro, em uma época que não era comum ter "mulher na política". As reuniões desse partido, na residência do ex-vereador Progresso Garcia, era uma aula, do que viria a ser as várias faces da centro esquerda brasileira.

Cecilia Magaldi foi também uma das primeiras "doutoras" a se envolver na eleição municipal, permitindo, em 1982, eleger as duas primeiras vereadoras da história da cidade, Mara Pires Correa (PT) e Maria Celia Canessin Anselmo, (PMDB) esta, integrante do chamado grupo da faculdade/grupo da Cecília, do antigo MDB-PMDB e que teve trabalho ostensivo da professora, entre outras, na sua eleição. Nesse ano o "grupo da Cecilia" também apoiava Joel Spadaro, como vice de Jamil Cury, depois prefeito, com apoio do "grupo".

Cecilia contribuiu politicamente para manutenção de políticas estudantis, patrocinando viagens de estudantes que fundaram a UEE, UPES/UBES - União Paulista e União Brasileira de Estudantes Secundaristas e o DCE da UNESP, com um grupo de "professores defensores da criação do DCE-Livre, Helenira Rezende".

Ela dizia, às vezes, que ia contribuir com um "pouquinho", mas ofertava o equivalente ao transporte e alimentação de até dois "congressistas", nos eventos, por até dois ou três dias. "Mas tem de pedir pros outros, também", resmungava quase sempre...

A professora Cecilia Magaldi participou ativamente da construção do Brasil Republicano, que ainda carece de investimentos no ensino e pesquisa, um dos dogmas da cidadã que foi promovida à academia superior.

Ela foi também ativista e uma das fundadoras da Ação da Cidadania de Botucatu, ajudou na organização de entidades populares e comunitárias (sociedades amigos de bairros e as primeiras associações e moradores, inclusive a Unasab's) e sindicatos.

Professora renomada na área de saúde e palestrante nessas entidades populares, divulgando noções básicas de como escovar dentes, lavar mãos e manter hábitos de higiene, em comunidades que nem água encanada tinham e muitas vezes, em locais iluminados com lamparinas de querosene ou lampião a gás. Era ai que ela estimulava a organização de entidades. A Dra Cecilia teve grande influencia nos governos de Jamil Cury e Joel Spadaro, na conscientização sobre saneamento básico para evitar doenças. Era comum, nos anos 70 e 80 instalar rede de água e demorar anos para a Sabesp colocasse a rede de esgoto, nos bairros da periferia.

Quando a conversa rendia, ela pedia licença para dar "uma tragadinha" que melhorava ainda mais, se fosse pelo lado da política, indo longe com mais de 2 horas se fosse necessário.

Participou na articulação e liderança do movimento que permitiu à UNESP ser uma das poucas universidades do Brasil, que faz eleição direta para escolha de Reitor.

Assim como em Botucatu, estava sendo formanda uma rede básica de saúde, o mesmo acontecia na redemocratização do Brasil e Cecilia Magaldi era regularmente consultada por secretarias de saúde, sobre políticas públicas na área.

Era fato corriqueiro, iniciado na gestão de Franco Montoro/Orestes Quércia, consultar a professora Cecilia, que diziam os bastidores políticos de então, idos de 1982, teria sido convidada pelo ex-governador Montoro a ser secretaria de saúde ou ocupar uma chefia importante no governo.

Cecilia também iniciou a primeira articulação de movimentos de mulheres em Botucatu, em atividades sobre a data, realizada pela Câmara Municipal. Gostava de pintar e tinha precisão artística, pois seus quadros eram impressionantemente belos.

Quem souber mais, que conte mais um pouco....

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